domingo, 17 de abril de 2011

o que a famosa reportagem da Piauí NÃO contou.



Uma revista ao (des)serviço do Brasil.



Na famosa reportagem que a revista Piauí, ed. 26, Nov 2008, há um trecho que me chamou muita atenção e, acredito, pelo desenrolar dos acontecimentos no caso Sean, sobretudo no tocante a reação da opinião pública, deve ter tido o mesmo efeito que uma mensagem subliminar, ainda mais que o trecho está inserido de tal forma que não há uma real divisão entre os assuntos.
Eis o trecho:

"Mais de dois séculos atrás, um pai italiano de linhagem bem mais nobre do que o americano Goldman passou por provação semelhante. Ele se chamava Alessandro Fé d’Ostiani (SIC), era conde e diplomata de carreira. Casara-se com Rita de Souza Breves, uma das filhas do comendador Breves, considerado o brasileiro mais rico de seu tempo, e cujas terras se estendiam de Itaguaí a Parati, da serra até o mar. Tiveram uma filha, Paulina, que ficou órfã de mãe aos 6 anos de idade, permanecendo sob os cuidados dos avós. Ao ser transferido de volta para a Itália, o conde foi proibido pela família Breves de levar a filha com ele. Precisou apelar para o imperador dom Pedro II e contou com uma escolta comandada pelo capitão Piragibe para fazer valer o mandado de busca e apreensão da filha. Tudo em vão. Piragibe e seus soldados foram escorraçados pelos homens armados da fazenda, e Fé d’Ostiani teve de partir sozinho. O comendador mandara avisar que era a última vez que o conde saía vivo de suas terras. Paulina só se reuniu com o pai quando mocinha."


O trecho em que é citado o caso Breves-D´Ostiani, conforme foi publicado. Clique para expandir.


Apesar de resumir um caso rumoroso na Corte de D. Pedro II em dois parágrafos, a PIAUI tinha que manipular ao gosto do freguês (Goldman, Embaixada dos EUA) esta triste história, uma das raras contendas de Vara de Familia do Império, contando que o Comendador Joaquim José de Souza Breves, como se fosse um sinhozinho Malta qualquer, "botou para correr até as tropas do Império para fazer valer a sua fútil vontade".

Se a imprensa no Brasil (e no mundo) não fosse um mero frívolo balcãozinho de negócios que não representa em absoluto os interesses da Sociedade, a PIAUÍ, como representante da imprensa, SE fosse necessário e imprescindível citar este caso ocorrido no século 19, teria gasto MAIS um parágrafo para explicar que o ex-genro do Comendador Breves, o Conde italiano D´Ostiani (*), não era uma florzinha que se cheirasse, não e que Maria Paulina só foi para a Itália quando já estava noiva do Conde francês Charles Jean Tristan de Montholon, embaixador da França na Suiça. Também poderia citar que após a doença e consequente morte de Rita, o Conde D´Ostiani, antes de retornar à Itália, não exigiu a filha, mas sim, todas as jóias da falecida. Mas, vamos ao que realmente interessa, vamos contar a história COMO ELA É, embasada em relatos históricos autênticos, documentados por Historiadores que não tem a menor intenção de "puxar braza para esta ou aquela sardinha".

O COMENDADOR MAIS RICO DO BRASIL E O TRÁGICO CASAMENTO DE SUA FILHA

O Comendador Joaquim José de Souza Breves, conforme a revista cita, era o homem mais rico do Brasil em sua época Tanto que vem desse período a expressão:"rico como um Brasileiro". Possuia terras no Vale do Paraíba, porém perto de outros fazendeiros, tinha poucos escravos. A quantidade chegava a 12 mil e, também diferente de outros fazendeiros, o Comendador Breves costumava ter com seus escravos uma relação a mais próxima e carinhosa o possível; raramente impunha castigos aos seus cativos. Tanto que os escravos tinham uma forma peculiar de cumprimentá-lo pelas estradas de terra batida a qual Comendador respondia: "que sei que és meu, isso sei; quero saber de qual fazenda."

Ele tinha mais chão do que escravos e era casado com a própria sobrinha Maria Isabel de Moraes Breves e o matrimônio não apenas aumentou-lhe a quilometragem de terras, como também lhe trouxe oito filhos, entre eles, Ritta. Inteligente e com trânsito fácil pelos salões da Corte, o Comendador Breves era amigo pessoal do Imperador D. Pedro II, porém tal amizade não o poupou, em 1850, de ser processado pela compra de escravos e, graças a uma boa banca de advogados, inocentado. Era escravagista, sim, mas não vestia a mortalha da hipocrisia que tantos outros ricos fazendeiros de seu tempo vestiram ao depararem-se com as novas regras impostas, não pelas mãos do imperador,mas pela exigente Inglaterra, que detinha então boa parte do Reino (naquela época, por exemplo, quase todo o comércio carioca estava nas mãos dos ingleses) e que, em 1808, já haviam exigido que D. João VI, avó de D. Pedro II, "abrisse os portos às nações amigas", ou seja, para despejarem suas tralhas industrializadas, a Inglaterra, que tinha assegurado a fuga da Familia Real Portuguesa para o Brasil cobrou a "sua taxa de serviços".


Em 1857, a filha do Comendador Breves, Ritta, contraiu núpcias com o diplomata italiano, Conde Alessandro Fé D´Ostiani no Rio de Janeiro. Viveram alguns anos no estrangeiro, mas a única filha do casal, Maria Paulina, nasceu no Vale do Paraiba, numa das fazendas do Comendador. Em seguida, o casal e a criança dividiam-se entre viagens ao estrangeiro e longas estadias na fazenda da Grama, em Passa-Três (RJ).


Naquela altura dos acontecimentos, Conde D´Ostiani, diplomata encarregado de negócios do Reino da Sardenha, era apenas mais um nobre falido vivendo as expensas do rico sogro fazendeiro Brasileiro, já que vivia como o próprio Rei da Sardenha.

EIS O QUE A PIAUÍ OMITIU ESTRATÉGICAMENTE E O QUE ELA RETRATA COMO "CORONELISMO"


Quando Maria Paulina tinha por volta de cinco anos, Ritta apresentou problemas emocionais. Trazida de volta ao Brasil, foi recolhida à fazenda da Grama, onde seus pais viviam e onde, supostamente, prepararam-lhe um quarto com reforçadas grades de ferro.
O Conde quis voltar a Europa com a filha, a fim de que a manutenção da menina consigo mantivesse o fluxo de dinheiro do sogro ao seu bolso - mas bem longe da esposa "doente dos nervos", método chavão de se livrar de uma esposa quando não se podia divorciar, ainda mais que os casamentos naqueles tempos eram regidos pelas Leis Eclesiásticas.

Conforme relato de Maurice Ternaux-Compans, diplomata francês servindo na representação da França na Corte do Rio de Janeiro, quando D´Ostiani resolveu voltar a Europa com a criança, a avó Maria Isabel preocupou-se com o bem estar de Paulina e resolveu que a neta não seguiria o pai, pedindo que seus escravos de maior confiança retirassem a menina da residência ocupada pelo pai no Rio de Janeiro e a levassem para os domínios dos Breves no Vale do Paraíba.
Vendo que seu plano de continuar curtindo a vida adoidado as expensas do "sogrão querido" ia por água abaixo, o Conde D´Ostiani resolveu finalmente trabalhar - em benefício próprio. Ele reclamou com o Governo Imperial quanto ao que Ternaux-Compans chamou de "rapto da condessinha" em seu relato.

Para não ter problemas com o filho da amante de Napoleão Bonaparte, o Imperador destacou o Barão de Piraí, Capitão Piragibe e soldados para retirarem a menina da fazenda. Ma non troppo. Bastou que o Comendador colocasse seus escravos de guarda e as tropas recuaram prudentemente (Óbvio! Uma que o Barão de Piraí era parente do Comendador Breves e; duas, o Comendador, como já citado, era amigo intimo do Imperador. Jogo de cena!), sem contar que a babá de Paulina que se chamava Lisão, a escondia em diversos locais diferentes enquanto ocorreu a "busca e apreensão" da menina.

Restou ao Exmo. Conde, tempos depois, enfiar a violinha no saco, mas não deixar de tentar sua tacada final: exigir todas as jóias de Ritta. Na altura do campeonato, a mãe de Paulina, com quem supostamente a criança tivera pouquissimo contato nos dois últimos anos devido ao enclausuramento, falecera.

Como processos de guarda de Paulina já se desenrolavam na Sardenha (apesar de nascida no Rio de Janeiro, prevalesceu a nacionalidade do pai, sardenho), os advogados de Breves, prevendo uma sensível piora nas relações entre o Brasil e a Sardenha, além da desvantagem jurídica que a familia Breves levava naquelas paragens - eram Brasileiros ricos, mas estavam disputando a guarda de uma criança sardenha aparentada do Rei da Sardenha! -, aconselharam o Comendador a fazer um acordo com o Conde. Eis o acordo:

o Comendador entregou ao Conde Alessandro TODAS as jóias de Ritta, uma fortuna incomensurável.

Por 11 anos, o Conde viveu a vidinha dele em Brescia, onde havia o Palácio de sua família, sem se preocupar com a filha, somente a reencontrando quando esta tinha 18 anos, por volta de 1868, 1870, e estava noiva do Conde De Montholon, neto do General amigo de Napoleão Bonaparte.

Conde Alessandro Fé D´Ostiani faleceu tempos depois e seu palácio foi doado pela filha a uma instituição de caridade.

Paulina e Charles De Montholon nunca tiveram filhos e o contato dela com quaisquer parentes consanguineos era apenas com a prima, Maria Isabel de Moraes Costa Breves, residente em Paris.

A "condessinha" faleceu em 1932 e deixou de herança apenas o epitáfio do marido.

O Comendador Joaquim José de Souza Breves faleceu em 1889, o mesmo ano da Proclamação da República, sendo que um ano antes, em 13 de maio de 1888, havia sido promulgada a Abolição da escravatura. Dias antes da assinatura da Lei Áurea, o comendador chegou a comprar escravos, pois não cria na possibilidade(insana para ele) de que o Governo Imperial pudesse jogar contra os principais fornecedores de divisas para o Reino.

Com o passar do tempo, os herdeiros não conseguiram administrar as terras e foram vendendo-as até que restasse muito pouco dos antigos domínios


. (*) Quando o sobrenome italiano é NOBRE, a letra "D" não é minúscula; é MAIÚSCULA. E essa regra vale para todos os sobrenomes nobres da Europa. No caso do Conde Alessandro Fé D´Ostiani, é uma contração de "Da Ostiani", uma vez que nobres como barões, tem o "Di" antes do sobrenome, marqueses tem "De". Lógico que não dá para exigir um mínimo de cultura heráltica de um jornalistazinho Brasileiro, muito menos de um jornalistazinho brasileiro que escreve para uma revista de extrema direita golpista!

BIBLIOGRAFIA

http://www.brasil.terravista.pt/magoito/2028/rei2.htm http://www.brevescafe.oi.com.br/ternau.htm http://www.brevescafe3.xpg.com.br/osti_legado.htm http://www.brevescafe.oi.com.br/joaq_orei.htm http://www.brevescafe3.xpg.com.br/osti_ritamaria.htm

Um comentário:

  1. Parabéns, pelas pesquisas.Uma verdadeira aula de história.É realmente lamentável que pessoas que se dizem jornalistas se deixem levar por interesses escusos,ao invés de relatarem a realidade dos fatos.Esta história se encaixa perfeitamente no caso Goldman....depois deste texto maravilhoso,não precisa dizer mais nada.

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