Anos atrás, assisti o que considero ser o filme mais impressionante da minha vida. O título é "Vendetta" (1999, estrelado por Christopher Walken e Joaquim de Almeida) - não me lembro do título praticado no Brasil, mas deve ser o mesmo, já que é uma palavra bem conhecida pela enorme população de Italos-Brasileiros. Enfim, como esse filme foi marcante, volta e meia vem à memória a terrível história de um grupo de imigrantes italianos nos EUA, que foram presos, julgados e depois linchados com o aval do governo local.
Vamos a história
Em 1891, um delegado de polícia de New Orleans (é, é aquela mesma cidade que foi arrasada pelo furacão Katrina em 2005 e o Governo dos EUA nada fez para salvar a população; até hoje, os efeitos do furacão W. Bush, quer dizer, do Katrina repercutem no povão americano) de descendência irlandesa, David C. Henessy pegava pesado com os imigrantes sicilianos instalados na cidade, mas em geral, era festejado entre os outros imigrantes italianos que estavam sofrendo nas mãos dos seus compatriotas mafiosos da Sicilia.
Numa noite chuvosa, Henessy foi pego numa emboscada. Levado ao hospital, o delegado (ou "chief", como são chamados os delegados lá) sussurrou a alguns conhecidos "Dagos". "Dagos" era uma expressão desrespeitosa usada para se referir aos Italianos, assim como "carcamano". Pouco depois, ele morreu.
Sem investigação, um grupo de VINTE italianos acabou preso e, entre eles, até meninos pré-adolescentes. Alguns foram torturados para confessar suas ligações com a familia Matranga, que competia pela importação de frutas contra a familia Provenzano. Como os Matranga estavam vencendo a concorrência contra os Provenzano, o patriarca, Joseph (Giuseppe) Provenzano, tratou de arranjar capangas para acabar com a concorrência. Puro Poderoso Chefão: os capangas mataram alguns Matranga, foram presos e Henessy iria testemunhar a favor de Joseph Provenzano, se não tivesse sido assassinado uma semana antes.
O assassinato do chief Henessy causou comoção na cidade. E, como em qualquer lugar do mundo, tinha que aparecer alguém para se locupletar economicamente ou politicamente em cima da desgraça alheia: o prefeito de New Orleans, Joseph Shakespeare, começou a incitar a opinião pública contra os imigrantes italianos "Vamos ensinar a essas pessoas uma lição que nunca mais esquecerão", ele bradou em praça pública. Até o espírito de PIG apareceu, numa edição do Popular Science Monthly, de dezembro de 1890, questionando-direcionando o que deveria ser feito com os "dago", ao sugerir que as Leis em voga seriam inadequadas para controlar a criminalidade imigrante que aterrorizavam a população americana local. Tal artigo, amparou a prisão de vinte pessoas.
A histeria coletiva era tamanha que o filho de um eminente comerciante foi até a prisão onde estavam os vinte imigrantes no dia do enterro de Henessy e, portando uma arma, deu um tiro que atravessou o pescoço de um dos detentos. Por este assassinato, o "prêybói" ficou na cadeia por 6 meses.
O julgamento dos 19 italianos foi um verdadeiro circo, de fazer corar de vergonha o julgamento dos mandantes e dos assassinos da irmã Dorothy Stang. De cara, o promotor de Justiça, Lionel Adams, foi obrigado a retirar as queixas que recaíam sobre Matranga e Batian Incardona. As testemunhas de defesa estavam sendo ostensivamente ameaçadas e não compareciam ao tribunal; um dos acusados, Asperi Marchesi, foi inocentado em troca da "denúncia premiada". Outros, como Antonio Scaffidi, Manuel Politz e Pietro Monasterio, permaneceram acusados, mas foram inocentados pelo juri, que foi fiel as suas convicções e percebeu o erro grave que estava sendo cometido.
Em virtude de tamanha confusão - os bodes expiatórios estavam sendo inocentados, "who killa da chief Henessy?", gritava a população dentro e fora do tribunal, imitando a pronúncia e o sotaque italiano -, o juiz decidiu por bem manter os inocentados na cadeia por questão de segurança.
Justiça seja feita!
Dois dias depois que os 19 foram enviados de volta à prisão por "questões de segurança deles mesmos", um "espírito de sporco" chamado W. S. Parkenson reuniu uma turba e seguiram para um paiol onde se armaram até os dentes. Ele e a turba raivosa formavam um grupo chamado "Movimento para corrigir a justiça". Do paiol, seguiram para a cadeia onde estavam os então inocentados para matar a tiros nove dos inocentados e enforcarem nos postes de luz do lado de fora da cadeia outros dois. Sobreviveram oito, que supostamente foram ajudados por um policial de nome Dominic O´Malley. O´Malley, por sua vez, quase foi linchado pela turba.
O que os hipócritas gritam quando ocorre um evento de selvageria como esse? Se for no Brasil, os hipócritas correm a dizer "Se este país fosse civilizado....", "Se este país fosse sério, mas DeGaule disse que o `Brasil não é um país sério! ´" e por aí vai a cantilena, bla-bla-bla, nhem-nhem-nhem. O que então dizer dos EUA em relação a este caso, o caso do Ricardo Costa, ao do Professor de Educação Física Sean Lanigan e tantos outros? É um país civilizado? Tem certeza?? Continue lendo.
Ao invés de repudiar o crime que a turba enraivecida tinha cometido, o prefeito de New Orleans, Shakespeare limitou-se a mandá-los para casa e declarou "Deus os Abençoe". Pior: quando perguntado se estava chocado com os fatos, ele declarou: "Não, pois sou Americano e não tenho medo do demônio. Esses homens mereceram o castigo imposto pela população pacífica e obediente às Leis". Ah, tá.
Para fingir que comem de faca e garfo e não soltam pum na mesa, o linchamento dos imigrantes italianos foi "investigado e levado a julgamento". Na cadeira dos réus, estavam o policial O´Malley e dois dos jurados que haviam inocentado os 19 italianos. Acusação? Obstrução da justiça!!!! A fim de completar a belezura, o juiz ainda elogiou Parkenson pela iniciativa.
Remendando o soneto
Ao tomar conhecimento dos fatos envolvendo os imigrantes italianos nos Stati Uniti, o Rei Victorio Emannuel, pressionado por uma banca de promotores italianos, exigiu o retorno do Embaixador italiano nos EUA e expulsou o Embaixador americano. Mais pressionado ainda, gaguejou uma ameaça de guerra contra "il grande paese del nuovo mondo". Com o intuito de acalmar as partes, o Presidente dos EUA, através de seu Secretário de Estado exigiu que o Estado da Louisiana compensasse financeiramente as famílias dos 20 homens presos, o que ia completamente na contramão do que a "pacata, temente a Deus e obediente às Leis" população Americana pensava a respeito do linchamento. Em West Virginia, os americanos trabalhadores de uma mina de carvão fizeram uma violenta greve em decorrência da não demissão de dois colegas imigrantes italianos; a Guarda Suiça, aqueles emplumados soldadinhos (que não são Suiços, são Italianos) que protegem o Papa, foram impedidos de desembarcar nos EUA - e quase que o Papa foi preso na sua visita aos EUA.
Nem o assassinato do chief Henessy foi desvendado, nem a população italiana em New Orleans decresceu, nem a Itália entrou em guerra contra os EUA. Acabou tudo em águas de bacalhau.
E a história da xenofobia no Arizona nem ponta do iceberg é...
Bibliografia consultada:
http://files.usgwarchives.org/la/orleans/newspapers/00000077.txt
http://raciality.blogspot.com/2009/03/movie-about-historical-lynching-of-many.html
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